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Precisa ser magra pra dançar balé?

Carol fazia ginástica olímpica, jazz e natação. Mas quando via bailarinas clássicas, o olho brilhava! Ela achava lindo, se identificava. Era como se a dança já estivesse dentro dela. Mas, do alto dos seus 11 aninhos, sentia que estava “velha”. Porque é preciso começar novinha, né? E é preciso ser magra, ou não vai pra frente na dança. Esse tipo de crença impede muita mulher de dançar, ou de praticar qualquer tipo de arte que dependa do corpo. 

Mas com a Carol foi diferente. Demorou dez anos, mas ela finalmente se deparou com uma matéria sobre balé adulto, estampada pela atriz Alinne Moraes. “Eu falei: ‘nossa, isso existe!’. Se existia o termo ‘balé adulto’, se tinha gente fazendo, tinha escola que aceitava adulto. Foi quando comecei, com 21 anos.”

O perfil da Carol Lancelloti (@meiaponta) me chamou atenção desde que comecei a mergulhar mais profundamente nos estudos sobre padrão de beleza e pressão estética. Afinal, dentro da rigidez do balé clássico, ela enfrentou dois paradigmas –  o do corpo e o da idade. Coincidentemente (ou não), são os mesmos opressores que estão fora da sala de aula. Mulher não pode envelhecer. Mulher não pode engordar. 

Se você visitar o perfil da Carol, verá que ela está bem dentro do padrão vigente. Mas se fosse se pautar pelos parâmetros super rígidos do balé clássico, nunca teria nem começado.

Foto: @meiaponta

Afinal, como ela mesma diz em um dos seus textos, para quem tem quadril brasileiro, a magreza de uma bailarina russa não é algo viável. 

Felizmente, ela não se limitou. Pelo contrário, se jogou de cabeça. Hoje, diz que a dança é um “estilo de vida”; algo que toma conta da maior parte do seu tempo. Ela produz conteúdo sobre o tema, além de fotografar e fazer aula. É até casada com seu professor de balé. Em seu perfil do Instagram, vira e mexe recebe mensagens de mulheres falando que começaram a fazer balé por sua causa, e que se inspiram por se sentirem representadas. “É emocionante, eu chego a chorar!”. Batemos um papo delicioso sobre tudo isso e mais um pouco. Segue a entrevista! 

DB: Você começou no balé já adulta. Mas qual era sua relação com a modalidade na infância? 

CAROL: Quando eu entrei pro jazz, eu tinha 11 pra 12 anos. Naquela época, havia escolas que aceitavam crianças um pouco mais velhas, mas geralmente você vinha fazendo desde criança. Eu via as bailarinas clássicas e amava, queria muito entrar pra turma delas, mas deixava de lado. Eu não tinha onde me espelhar. Mas é muito estranho porque eu sentia uma conexão muito grande, eu olhava e parecia que entendia o que aquela bailarina tava fazendo.

DB: Depois que viu a Alinne Moraes de bailarina na reportagem, e descobriu o balé adulto, você imediatamente sentiu vontade de compartilhar isso num blog? 

CAROL: Eu sempre fui muito comunicativa, isso está dentro de mim. Então quando eu não encontrava a minha tribo, procurava na Internet. Eu sempre quis criar comunidades digitais quando eu não tinha no pessoal. Foi um movimento natural com o balé. Logo depois que fiz a minha primeira aula, eu já estava lá escrevendo sobre como foi. 

DB: Como você fez para abstrair essas crenças em torno da idade e se jogar, acreditando que começar depois de adulta não seria um problema?

CAROL: Uma coisa que eu aprendi com o balé adulto é que tem dois tipos principais de bailarina. A que não quer ser profissional e faz por amor; e a que quer ser profissional. 

Se você não quiser ser profissional, você pode entrar no balé em qualquer idade. 

Você sempre vai ter que respeitar os limites do seu corpo, e realmente aprender coisas criança é muito mais fácil. Eu lido com dificuldades de autoestima, óbvio, isso está presente no balé adulto, mas a verdade é que você só tem que começar criança se quiser ser profissional. 

DB: Agora queria falar um pouco de corpo. Além da rigidez com as medidas, dançar balé coloca a pessoa muito em contato com a própria imagem: as roupas coladas, as salas de aula cobertas por espelhos. Se a pessoa não tem uma boa relação com o corpo, você acha que ela consegue dançar mesmo assim e até talvez melhorar isso?

CAROL: Acredito que sim porque aconteceu comigo. Eu melhorei a minha relação com o corpo sendo bailarina e me fotografando de bailarina. Mas passei por dificuldades por não me gostar. Não foi tipo “ah, me amo de bailarina”. A jornada foi difícil. E eu acho que só o balé não basta pra algumas pessoas, às vezes um acompanhamento psicológico é necessário, e todo o diálogo que a gente tá promovendo na Internet também. As influenciadoras de balé têm um papel importante. E também as bailarinas fora do padrão, sejam as bailarinas negras, sejam as bailarinas que têm um corpo mais largo, mas não por isso são menos técnicas. 

É muito importante essa comunicação na Internet de pessoas fora do padrão pra acolher quem está se sentindo dessa forma. A gente precisa encontrar pessoas que se identifiquem e que tenham coragem de mostrar a cara, porque é essa conexão que salva umas às outras. 

Por isso que a gente hoje fala tanto de representatividade no balé profissional também. A gente vê pessoas como a Ingrid Silva (*) falando coisas maravilhosas. 

DB: Até porque no balé essa questão do corpo é bem rígida, né? 

CAROL: No balé clássico tem um estigma que você precisa ser magra. Ok, pra você ser profissional é compreensível que você precise ser ter o mínimo de gordura, ter corpo de atleta. Mas o problema é que tem um padrão velado que eles querem que você seja a russa. E não, gente, americana nunca vai ter o corpo da russa, ela pode ter a técnica impecável, ela pode ser ágil, pode fazer tudo o que uma russa faz, mas o corpo dela não vai ser o mesmo. A brasileira também. 

A brasileira tem mais bunda, vai ter às vezes um corpo até mais largo, mais peito talvez,  mas isso não vai impedir ela de fazer nada tecnicamente.

DB: Então, a pergunta que não quer calar: precisa ser magra para poder dançar balé?

CAROL: Não, você não precisa ser magra pra dançar balé por hobby e por amor. Você só precisa conhecer o seu corpo e entender as suas limitações, para evitar lesões. Somente as bailarinas profissionais que precisam estar em forma, não é nem magra, é em forma, porque “magra” é muito relativo. Eu nunca fui impedida de fazer nada no balé pelo meu peso; foi mais por não ter tido base quando criança, não ter entendido algumas coisas. Eu acho que o balé adulto ajuda muito nisso porque agora os professores estão dando aula para um público diferente, que não se vê profissional, que  não se vê dançando em festival, que não se vê nem se formando talvez, então eles precisam mudar a chavinha. Porque até pouco tempo só existia professor que formava bailarina profissional. Então era óbvio que estavam viciados naquele sistema, então isso tem que se reciclar e está se reciclando. Hoje em dia tem muitas pessoas se especializando em dar aula pra adultos e pessoas que querem fazer por amor. 

Foto: @meiaponta

DB: É fato que muitos bailarinos enfrentam transtornos alimentares por conta desse estigma do peso. Você já passou por isso? Qual é a sua relação com sua alimentação? 

CAROL: Eu nunca cheguei perto de nenhum transtorno alimentar. A minha palavra chave é “consciência”, o famoso autoconhecimento. É óbvio que às vezes como demais, mas eu busco saber por que estou fazendo aquilo. Não me culpo tanto porque falo a verdade para mim mesma: ‘olha, você comeu muito esse fim de semana porque você tava ansiosa, comeu muito açúcar, e agora nessa semana você vai maneirar’. É pelo meu corpo mesmo; porque a comida é combustível, se você não coloca coisa boa pra dentro você fica indisposta, sua pele fica ruim.

DB: Você segue dieta? 

CAROL: Depois dos meus 30 anos, senti que eu estava engordando muito rápido. Não quero deixar de comer as coisas que eu gosto, então contratei uma nutricionista pra me ajudar a equilibrar isso na minha rotina. Eu sou muito certinha, gosto de horário, então pra mim é mais fácil. Não me sinto limitada, acho até mais fácil quando tenho uma dieta pra seguir. 

DB: Com tanta pressão estética que enfrentamos hoje em dia, é possível conquistar autoestima dançando? O que você falaria para uma mulher que se considera “fora do padrão” mas que sonha em dançar? 

CAROL: Eu acho que entrar em contato com seu corpo e com a felicidade plena de estar dançando é um trampolim para sua autoestima. Quando você sobe no palco, é transformador, principalmente para a mulher adulta. 

A dança tem o poder de destruir a sua autoestima se for mal trabalhada, mas se for bem trabalhada, ela pode fazer você se amar ainda mais. Porque você fica mais bonita, a sua pele, o seu corpo fica mais exposto, mais em forma, a sua relação com seu corpo fica mais confortável. Quando você começa a se movimentar, a sua vida melhora. 

O que eu poderia dizer para essas mulheres é: vai e faz! Você pode começar no seu tempo, devagar. A relação com a dança tem que começar dentro de você antes, depois você mostra pro mundo. Eu, com o corpo que eu tenho, tendo começado adulta, conseguir me enxergar uma bailarina clássica, foi transformador. Quando que alguém ia pensar que isso era possível? Então isso é ótimo pra autoestima!  

DB: Em um post no Instagram, você disse que já quis perder 10 quilos, e hoje, se contentaria em perder 3. Me parece que você alcançou um equilíbrio no sentido disso não te impedir de dançar, de usar as roupas do balé e muito menos de postar fotos do corpo. Como você fez pra chegar nesse lugar? Porque tem muita mulher que fica esperando o dia que ficar magra ou com o “corpo x” para fazer algumas coisas que sempre teve vontade. 

Foto: @meiaponta

CAROL: Eu tive uma rede de apoio, não foi só um processo meu. O meu marido é meu professor. Ele sempre me elogia em relação marido-mulher, e por ele ser meu professor isso meio faz uma fusão, entende? Eu me sinto segura porque ele me acha linda do jeito que eu sou. Mas eu tive uma rede de apoio de conversar muito com outras mulheres, e também de seguir outros perfis. 

O que me ajudou muito foi começar a olhar outras pessoas, com outros corpos também, indo à luta, fazendo o que elas querem! Então eu olhava e falava: ‘nossa, se essa menina tem uma técnica linda com esse corpo, eu também posso ter. Por que esse corpo é errado? Ela tá ali com a perna na cabeça, tá certa ela!’

Você tem que olhar quem está falando sobre isso, conversar com outras mulheres, ter consciência e entender por que nós, mulheres, fomos educadas para pensar isso. Por que quando eu era adolescente e eu tinha um corpo muito mais magro do que eu tenho hoje, eu me achava gorda? Porque eu fui uma criança dos anos 90! A minha referência era a Christina Aguilera, sabe? Então é óbvio que eu vou achar que eu estou gorda! 

Quando você começa a estudar história, estudar feminismo, você começa a entender porque você se acha gorda. E gorda no sentido pejorativo: afinal, por que você acha gorda uma coisa ruim? Porque não necessariamente é, né? Às vezes é só um tipo de corpo. 

Então é estudo, é consciência, é entrar em contato com coisas fora da sua bolha, e fora da sua bolha emocional, do que fizeram você acreditar. E eu ainda não estou 100% satisfeita com o meu corpo. Ainda tem coisas que eu quero mudar. Mas eu já não quero perder 10 quilos, eu quero perder 3. Isso pra mim é uma revolução!


Onde encontrar a Carol:

Insta: @meiaponta
Blog e site oficial: https://meiapontaballet.com/
Youtube: https://www.youtube.com/meiapontaballet


(*) Ingrid Silva é uma bailarina brasileira que mora em Nova York e atua no Dance Theatre of Harlem. Na internet, tem um trabalho importante de valorização da mulher negra no balé clássico. Por anos e anos, ela pintava a própria sapatilha com base, até que uma marca finalmente passou a produzir o calçado no tom da sua pele. A história ganhou o mundo e, esse ano, suas sapatilhas passaram a integrar o acervo do Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian, em Washington, nos Estados Unidos. Representatividade importa! ❤ Siga: @ingridsilva

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