Após alguns dias fora para uma viagem profissional, meu marido voltou para casa. Sentados à mesa de jantar, conversamos sobre a semana. Falei do trabalho, das coisas que fiz, dos filmes que assisti e das fofocas mais recentes do Brasil — ele não acompanha muito as redes, então sou eu quem sempre o atualiza sobre os memes e novidades.
Durante a conversa, ele me fez uma pergunta inesperada:
— Você não acha que está se sentindo muita raiva?
A pergunta me pegou de surpresa. De fato, eu havia pronunciado a palavra “raiva” quatro vezes naquela conversa. Mas, ao refletir, percebi que muitos dos incômodos que compartilhei com ele tinham uma origem comum: as redes sociais.
O fascínio e a frustração da “vida perfeita” online
Não é segredo que as redes sociais podem mexer com nossas emoções. E não é por acaso que escrevi um livro sobre isso. Sempre me impressionou o contraste entre a realidade e a narrativa que se constrói online.
E aqui não estou falando só de influencers: conheço uma centena de pessoas “comuns”, como eu, que vendem uma imagem online que nada tem a ver com o que são na vida real. Nestes casos, eu simplesmente paro de acompanhar: para mim, interessa muito mais a pessoa de carne e osso do que a imagem idealizada e projetada das redes.
Mas é curioso notar que, em um país tão desigual como o Brasil, muitas das figuras mais celebradas ainda são aquelas que promovem:
- Consumo e ostentação: a vida de luxo é apresentada como padrão, mesmo que seja inacessível para a maioria.
- Beleza padronizada: corpos cada vez mais magros, pouca diversidade de tamanhos e uma predominância do combo “magra-branca-jovem”. E isso em um país que, segundo uma pesquisa inédita publicada na Science, é o mais miscigenado do mundo. Temos uma diversidade estética enorme — mas ainda assim, insistimos em promover um padrão único de beleza.
- Desinformação e superficialidade: debates públicos se transformam em espetáculo, e pessoas com pouca responsabilidade social ganham destaque.
Isso não seria um problema se essas imagens não tivessem um impacto tão forte sobre quem as consome. O episódio da CPI das Bets é um exemplo claro disso: quanto mais damos destaque para pessoas que não assumem as consequências do seu poder de influência, mais normalizamos o absurdo.
Por que precisamos de educação midiática?
As redes sociais têm o poder de entreter, informar e conectar — mas também de distorcer nossa percepção da realidade. E, muitas vezes, fazemos parte desse processo ao dar visibilidade para conteúdos vazios, compartilhar sem pensar ou consumir sem senso crítico.
Educação midiática não é só sobre saber identificar fake news. É sobre entender que, ao curtir, comentar e compartilhar, estamos amplificando vozes. Precisamos nos perguntar: “Essa é uma voz que eu quero dar destaque?”
No meu livro Além do Like, falo exatamente sobre isso: como desenvolver senso crítico em meio ao excesso de imagens, opiniões e padrões inalcançáveis. Porque, no fim, o segredo não é fugir das redes sociais, mas aprender a usá-las com sabedoria.
Enquanto rola o feed, a vida acontece
Enquanto escrevo este texto, estou sentada em um local público, de onde avisto um sofá com uma pequena família. A mãe, grávida, ajeita o cabelo e, por trás dos óculos escuros, tenta tirar algumas selfies. O pai está concentrado no laptop.
O bebê, no carrinho ao lado, acordou. Está com os olhinhos atentos e curiosos, observando o teto. Quietinho. Nenhum dos dois se deu conta.
Talvez o maior problema das redes sociais não seja o que vemos nelas, mas o que deixamos de ver na vida real.
A pressão estética e o padrão de beleza nas redes
Mais do que likes e seguidores, o que as redes sociais realmente vendem é uma ideia de perfeição — uma perfeição muitas vezes inatingível. Corpos esculpidos, pele impecável, sorrisos eternos. Tudo cuidadosamente editado e filtrado.
Para quem consome esse conteúdo, fica a sensação constante de que nunca é o suficiente.
No meu livro Além do Like, falo sobre como os padrões de beleza são construídos, reforçados e vendidos como sinônimo de felicidade. E, principalmente, como podemos nos proteger desse bombardeio de expectativas irreais.
Quer entender como desenvolver um senso crítico saudável e aprender a navegar pelas redes sem se perder em comparações?
Desinfluencie-se
Aproveito para lançar aqui o desafio do “desinfluencie-se”. Minha sugestão para uma vida com menos pressão estética e, sobretudo, com menos sufercialidade, começa ao parar de seguir:
- Pessoas que promovem bets, produtos duvidosos e soluções milagrosas de emagrecimento.
- Pessoas que estimulam consumismo desenfreado, te fazendo acreditar que você nunca tem a quantidade de creme ou plástica suficiente.
- Influencers e supostos “profissionais de saúde” que vivem de fotos de “antes e depois” sem contar a verdade sobre a quantidade de procedimentos, dinheiro gasto com estética e os milhões de filtros.
- Pessoas que te fazem se sentir insuficiente, e com pouca “força de vontade”, quando na verdade a “força de vontade” da maioria dessas influencers se chama PRIVILÉGIO.
É bom deixar claro: não sou contra cremes, nem contra procedimentos, nem contra nada que possa te fazer se sentir bem. Mas eu sou contra, sobretudo, essas vidas de mentira.
Desinfluencie-se. Olhe ao seu redor: tenho certeza que tem gente de verdade que pode te trazer inspiração.
