entrevistas

Você acha que come “tudo errado”? Então essa entrevista é pra você

A nutricionista Marcia Daskal trabalha com o conceito de "nutricão amorosa". Foto: Divulgação

Nutricionistas que não acreditam em dieta restritiva eram uma espécie rara até muito pouco tempo atrás. Mas felizmente isso vem mudando, e é crescente o número de profissionais que têm se voltado ao comportamento humano.

Isso é um grande avanço, ao meu ver. Porque se o método de contar calorias fosse algo efetivo, não teríamos tantas pessoas insatisfeitas com o próprio corpo e cheias de paranoias ligadas à alimentação, certo?

Marcia Daskal, nutricionista e coach de saúde e bem-estar da Recomendo Assessoria, é uma das profissionais que segue nessa linha.

Ela criou o conceito de “nutrição amorosa”, que é baseada não só nos nutrientes, mas também nas nossas vontades. “Na hora que a gente começa a prestar atenção nas coisas que o nosso corpo precisa e quer consumir, a gente fica exigente e passa a não aceitar uma série de outras coisas”, diz. “A pessoa às vezes vem para mudar a alimentação e acaba mudando de vida. Muda de trabalho, às vezes muda de casa, de companheiro inclusive.”

Acompanhe os principais trechos da entrevista que ela concedeu para o Marmiteira!

Muita gente pensa que “come tudo errado” e que é tarde para fazer uma reeducação alimentar. É possível mudar hábitos depois de adulto? Como?
Eu nem gosto dessa palavra, porque não existe certo e errado. Mas mesmo para quem para quem come de forma inadequada é possível sim, a qualquer idade.

Quando a gente pensa em reeducação alimentar, pensa que tem que mudar a alimentação inteira. Mas isso não é verdade. Por exemplo, se você não bebe água e passa a beber um copo de água, já fez uma melhoria. Se você diminui o sal ou acrescenta uma fruta, são melhorias.

Como mudar hábitos depois de adulto?
O hábito é uma coisa que a gente faz sem pensar. Então a primeira coisa é analisar por que a gente faz aquilo. Por exemplo: por que você põe açúcar no seu café? Às vezes a gente faz simplesmente porque está acostumado. 

Quais são as principais queixas das pessoas quando o assunto são hábitos alimentares?

O primeiro argumento mais interessante é “o problema é que eu gosto de comer”. Eu também gosto de comer e acho que isso não é um problema, é uma solução!

O fato da pessoa comer de tudo não implica que ela vai comer tudo numa grande quantidade ou sem discriminação de horários e quantidades. “Ai, mas você sabe, lá e casa tem criança, então tem que ter fritura, tem que ter a comida das crianças.

Não existe comida de adulto e de criança. Como nenhum alimento é proibido, mesmo uma fritura ou um doce podem se encaixar nessa alimentação.

Também não há obrigatoriedade de se fazer três refeições por dia, fazer lanches entre as refeições. Tem gente que não tem fome de manhã e tem gente que tem muita. Então é mais importante ouvir o corpo do que seguir uma regra imposta de fora. Isso eu chamei de nutrição amorosa, é você seguir as regras do seu corpo, tentar entender o que ele está te falando.

Dá para se alimentar bem, mesmo sem tempo? Quais são suas dicas nesse sentido?
Eu acredito que sim. A gente não fica sem tempo para colocar gasolina no carro, ou de levar ele na oficina, porque senão ele vai parar. Mas a gente fica sem tempo de se alimentar sendo que o corpo é a nossa casa e a gente não consegue trocar de corpo como a gente trocaria de casa ou de carro.

Talvez a gente possa mudar essa pergunta para: “é necessário muito tempo para se alimentar direito?”. Não, você pode se alimentar bem, na correria ou no tempo que você tem. Mas um pouco de planejamento e organização você vai ter que ter.

Vou te dar dois exemplos de pessoas que atendi esses dias, que trabalham muito e moram sozinhas. A primeira almoça em um restaurante por quilo. Como ela sente fome à tarde, combinamos que ela poderia pegar algumas coisas no próprio buffet, pois não estava conseguindo levar nada de casa.  Então ela pega queijo, fruta, às vezes um pedaço de torta, e faz um lanche da tarde escolhendo um lugar apropriado para se alimentar no almoço.

O caso número dois é de uma pessoa que uma vez na semana vai ao happy hour da firma e no bar come algumas coisas que nem está com vontade, mas porque está com fome.  Então o combinado com ela foi parar em algum lugar antes para comer alguma coisa, e no bar só petiscar. Ela também percebeu que quarta-feira é um dia que ela gosta de ficar em casa e que esse é um dia que ela pode cozinhar. Então cozinha a mais para os outros dias, e congela. É só uma questão de se organizar.

O que não pode acontecer é simplesmente não querer olhar para a própria alimentação. O tempo a gente faz. A gente tem que achar um espaço pra comer, assim como a gente acha espaço para outras coisas. A gente não sai de casa sem se vestir porque acha um tempo pra isso. Para se vestir as roupas têm que estar lavadas!

Você acha que o excesso de informação sobre nutrição hoje disponível mais ajuda ou mais atrapalha as pessoas “comuns”?
O excesso de informação não atrapalha, mas eu acho que ele dá para as pessoas a sensação de que elas nunca estão fazendo o suficiente, porque elas sempre poderiam estar comendo de uma forma melhor, entre aspas. As pessoas seguem blogueiros, influenciadores e modismos. Um falou que é pra tirar o glúten, outro que é para tirar a lactose, então a pessoa vai sentido que está fazendo tudo errado. Nesse ponto, a informação atrapalha.

Por outro lado a gente tem a autonomia de pesquisar, tirar nossas dúvidas com essas ferramentas. Da mesma forma como existem informações ruins, existem informações boas.

Tem glúten?

“Se tem glúten eu passo.” Foto: Creative Commons

Como filtrar tudo isso?
O meu conselho é: se essa informação fez sentido para você, pegue. Senão, descarte. Por mais que a ciência tenha evoluído, os conceitos tradicionais e o bom senso continuam valendo.

Equilíbrio, variação, moderação, são coisas que a gente pode seguir sempre.

É aquilo, você vai comer uma coisa mais gordurosa, come em uma quantidade menor. Isso é bom senso. A gente não precisaria retirar nenhum alimento, só precisa fazer as coisas de uma forma mais equilibrada.

E como encontrar este equilíbrio?
Somos únicos, e ninguém conhece melhor você do que você mesmo. Este autoconhecimento é muito importante. Não precisamos de validações externas o tempo inteiro. Se faz sentido, se está fazendo bem pra gente, é bom.

As pessoas reclamam muito que as orientações sobre nutrição mudam toda hora (ovo faz bem, ovo faz mal, tem que comer de três em três horas, não tem mais…). A verdade é que trata-se de uma ciência em evolução (como todas as outras!). Mas qual seria uma recomendação básica para quem se sente confuso diante dessas aparentes contradições?
Independente do que os especialistas falam, a comida não é científica. A gente come porque tem fome mas porque também aprendeu a comer e faz sentido do ponto de vista cultural e familiar. É uma herança daquela sociedade ou daquela família. Muitas coisas que algumas pessoas comem não dizem nada para a outra pessoa.

Ontem eu atendi uma pessoa que me falou: eu não gosto de muito de iogurte, mas às vezes eu compro. Perguntei: mas você compra porque você gosta de comer de vez em quando? Ela disse: não gosto, mas acho que faz bem. Então eu falei para ela: não tome. Se você não gosta, não tem por quê.

Estamos numa era em que temos uma oportunidade como nunca antes na história de comer coisas diversas, sabores que a gente nunca teria tido a oportunidade de experimentar. Justamente por isso às vezes ficamos paralisados e acabamos caindo numa monotonia.

O que você diria para quem vive pulando de dieta em dieta, e, consequentemente, sofrendo do tão comum efeito sanfona. Como dar fim a esse ciclo?
Restringir alimentos é uma coisa que funciona a curto prazo. Quando você tira um grupo alimentar, a tendência do corpo é tentar compensar essa ausência, comendo mais das outras coisas.

E se a pessoa pula de dieta em dieta e nada funcionou, não vai ser a próxima dieta que vai funcionar.

Ela tem que aprender a ouvir o que o corpo dela está pedindo. Parar de seguir um papel ou regras estipuladas por outras pessoas.

Muitas vezes a gente precisa de um especialista para começar a fazer essa mudança, até porque muitas vezes quem sempre fez dieta tem questões com alimentação, com o peso, e fica difícil enxergar nossos pontos cegos e conseguir se libertar desse pensamento que foi imposto por tantos anos. Acho que é uma boa procurar um especialista, mas cuidado com aqueles que reforçam padrões.

Nós, mulheres, sofremos mais com essa cultura. O que você pensa a respeito disso?
No caso das mulheres, a questão da dieta pode ter a ver com outras questões sociais.

Chega ser curioso a gente tentar diminuir o espaço que a mulher ocupa fisicamente na sociedade. Tem a ver com isso, da gente tentar sumir, ocupar um espaço menor, da gente não ocupar os lugares que a gente deve ocupar. E com a imposição de um padrão que é um padrão que muitas vezes a gente não vai conseguir chegar.

A gente não é um número de roupa, um número de balança. Eu não acredito em dietas, já está comprovado cientificamente que isso não funciona e que o mais importante é a gente prestar um pouco mais de atenção no que a gente come e na forma como a gente come.

Por isso eu criei essa metodologia da nutrição amorosa, que é pra ajudar as pessoas a superar essa mentalidade das dietas. Se libertar de ter que seguir um cardápio. Principalmente um cardápio estipulado por uma pessoa que não está lá na sua casa, não sabe o que você tem para comer, não sabe o que você gosta e nem quais são seus compromissos sociais.

Hoje em dia a gente passou de sair da festas com marmitinha com bolo e brigadeiro para levar pra casa, e começou a levar marmita pras festas para comer frango com batata doce!

A gente já passou por muitos modismos e a isso gera, além de frustração, uma indústria milionária de dietas e procedimentos. Porque, frustradas, as pessoas pulam para outro procedimento, outro livro, outro programa. É uma falta de amor próprio.

O que eu estou dizendo não é que a pessoa não precisa fazer nenhum controle alimentar, e comer de qualquer jeito sem prestar atenção. Muito pelo contrário.

Mas a gente não se alimenta só de comida, mas também de pensamentos, das coisas que a gente lê, escuta. E você vai ficando mais seletivo com essas coisas. E o emagrecimento acontece de uma forma natural.