Seja você noveleiro ou não, a pergunta da semana no Brasil atinge até quem está fora do País (incluindo eu!): afinal, quem matou Odete Roitman? O remake de Vale Tudo deu o que falar, não apenas pelo mistério central, mas também pelas representações femininas na TV brasileira, que mostram mulheres desafiando estereótipos e conquistando protagonismo.
As polêmicas em torno da adaptação do roteiro foram muitas. Parte porque foi modificado demais; parte por conta de pequenos e grandes furos aqui e ali.
Não sou comentarista de TV, mas eu sou noveleira! E nem o fato de morar fora do Brasil me fez perder essa mania, então, sim, também estou curiosa pra saber quem matou Odete.
Dito isso, adianto que esse texto não é para falar das minhas apostas, nem para fazer uma análise crítica da obra.
Hoje eu quero falar de algo que me interessa muito e que está super presente no meu livro, o Além do Like, e nas minhas palestras. Bora conversar sobre as representações da mulher na mídia?
Mulheres negras no poder: manda mais que tá pouco!
Até pouco tempo atrás (bem pouco mesmo), às mulheres negras era relegado o papel de empregadas domésticas nas obras da TV. Isso infelizmente ainda reflete uma realidade brasileira.
Recentemente, uma pesquisa mostrou que as mulheres negras representam quase 70% da força do trabalho doméstico e dos cuidados no País.
Não que exercer este tipo de trabalho seja algum tipo de demérito, o problema é quando ele se torna o único papel possível. Faltam mulheres negras na ficção exercendo outras funções, ocupando espaços de poder, de desejo, de protagonismo.
Quando a gente se vê representada de formas diversas, se sente capaz, se reconhece e se autoriza a sonhar. E mais meninas negras podem sonhar em ocupar os lugares que elas quiserem na sociedade.
“It’s hard to be what you can’t see”
(“É difícil ser o que você não pode ver”, frase da ativista Marian Wright Edelman)

Vale Tudo e o poder das mulheres negras na ficção
A coisa melhorou nos últimos anos, e, pelo menos nas novelas brasileiras, estamos vendo mais atores e atrizes negras exercendo diferentes tipos de papéis.
No remake de Vale Tudo, a autora Manuela Dias optou por dar os personagens centrais da trama para duas mulheres negras: Taís Araújo, vivendo Raquel (na primeira versão interpretada por Regina Duarte); e Bella Campos dando vida à Maria de Fátima (vivida por Glória Pires na edição original).
Raquel é um caso à parte: as mil reviravoltas que a personagem viveu geraram uma onda de críticas do público, a ponto da própria atriz se pronunciar.
Mas não dá pra negar que ela conquistou seu lugar de poder como mulher empreendedora e dona do próprio destino.
Algo semelhante aconteceu com a Consuêlo (Belize Pombal), que, por meio do esforço e do profissionalismo, conquistou várias promoções e virou o braço direito logo de quem? Da temida Odete Roitman!
Isso sem contar que ela inspirou a filha, Daniela, a se jogar nos estudos. A personagem vivida pela atriz Jessica Marques se forma em Direito e dedica o canudo à mãe com um discurso emocionante.
Pode parecer pouca coisa, mas eu celebro cada movimento rumo à maior representatividade. E é isso que nos liberta dos limites sociais e estéticos aos quais fomos submetidas a vida toda.

Odete Roitman e as mulheres 60+ que não querem ser rotuladas
Outro clichê que foi invertido no remake de Vale Tudo é o da diferença de idade entre casais. Crescemos habituadas a ver homens mais velhos pegando “novinhas” no cinema e na TV, a ponto de normalizarmos até as mais bizarras situações.
Só que dessa vez foram as “lobas” que tiveram destaque. Aldeíde (Karine Teles) fisga o coração de André (Breno Ferreira) e Odete…Bem, Odete pega geral!
Na trama, a personagem não esconde sua preferência por homens mais jovens e o quanto gosta de sexo – outro tabu até então pouco abordado nas novelas, o fato de mulheres acima do 60 (ainda!) praticarem e gostarem de sexo (veja só!).
O prazer feminino, inclusive, também foi pauta da personagem Leila, vivida nesta versão por Carolina Dieckmann. Divorciada e com um filho pré-adolescente, ela começa a se relacionar com Marco Aurélio (Alexandre Nero) e, em determinada cena, confessa que pela primeira vez tinha conseguido chegar ao orgasmo.
De novo: parece pouco quando olhamos a partir de toda uma perspectiva histórica machista que vemos desde que o mundo é mundo. Mas, por isso mesmo, é bom lembrar: falar de orgasmo feminino em horário nobre não é pouca coisa não.

O impacto das novelas na percepção social das mulheres
No jornalismo, o termo “chapa branca” significa que um texto está favorecendo apenas um lado da história. Não é isso que eu quis fazer aqui – e também não sou paga pela Globo para falar bem de suas novelas.
Mas como jornalista e escritora e apaixonada por comportamento humano, tenho em muitas das novelas verdadeiros objetos de estudo. Elas são um retrato dos hábitos dos brasileiros e falam muito sobre a nossa cultura.
Além disso, por ser um produto popular, a novela é um canal super importante para se colocar problemas sociais em pauta. E o remake de Vale Tudo trouxe várias dessas conversas à tona.
A trajetória de Heleninha (Paolla Oliveira), com o alcoolismo, por exemplo, é uma forma de trazer o assunto pra mesa e diminuir o estigma.
Outro caso que merece destaque é a trama vivida por Lucimar (Ingrid Gaigher). Após passar muito perrengue brigando com o ex-marido para que pagasse a pensão do filho, ela decide agendar um atendimento no aplicativo da Defensoria Pública.
Um dia depois do episódio, o órgão registrou um aumento de 300% nas aberturas de pedidos da mesma natureza.
Representações da mulher na mídia: um passinho por vez
Como eu disse algumas linhas acima, a forma como as mulheres são representadas na mídia é um tópico que me interessa bastante, porque acredito genuinamente que a diversidade e a representatividade podem mudar vidas.
Um mundo mais plural beneficia a todos: não ter que se enquadrar em caixinhas é libertador.
E isso se estende dos padrões de comportamento aos de beleza – se ver de alguma forma representada nas obras da TV e do cinema é uma forma de fazermos as pazes com nossas particularidades.
Quer continuar essa conversa?
Esses debates sobre imagem e representações femininas estão no coração do meu livro, Além do Like, e também nas minhas palestras.
Entre os temas que abordo, estão a nossa relação com a mídia tradicional e com as redes sociais e o quanto moldam nosso comportamento e nosso olhar sobre o corpo.
O que podemos fazer pra desafiar esses padrões? Meu propósito, tanto no livro quanto nas palestras, é inspirar esse olhar mais diverso e um senso crítico mais sólido.
✨ Você já conhece o Além do Like? E se quiser ampliar o debate, clique aqui para mais informações sobre a minha palestra.
Sigamos em frente! E que venham mais Consuêlos, Raquéis e Odetes: porque é na complexidade delas que a gente se enxerga de verdade. 🧡
